A história de Ivani Marques da Costa Grance, sócia-fundadora da Startup República das Arteiras, é um exemplo vivo de como coragem, educação e coletividade podem transformar destinos. De costureira a mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), sua trajetória une superação pessoal, formação acadêmica e empreendedorismo de impacto social. 

Em 2011, incentivada pela filha, Ivani fez o Enem para obter a certificação do ensino médio e se surpreendeu com a nota: 900 pontos na redação. O resultado abriu portas que ela não planejava. No ano seguinte, aos 42 anos, ingressou no curso de Ciências Sociais da UFMS, quase ao mesmo tempo em que a filha também entrava na graduação. “Eu entrei morrendo de medo, me sentindo uma senhora no meio de tantos jovens. Para minha surpresa, fui acolhida e encontrei uma rede de apoio que fez toda a diferença”.

Quando começou a faculdade, Ivani já costurava há quase duas décadas e mantinha o sonho de fundar uma cooperativa. Atendia clientes, conciliava encomendas e os cuidados com a casa e os filhos. A saúde, no entanto, não colaborava: enfrentava um quadro grave de anemia, mas não deixava de frequentar as aulas. “No início, eu costurava de dia, estudava à noite e lia de madrugada. Escrever só conseguia de madrugada, quando a casa estava em silêncio. Era difícil, mas eu sabia que precisava insistir.”

A jornada acadêmica foi atravessada por momentos de dor, como a doença da mãe, que enfrentou um câncer durante o período em que Ivani escrevia seu TCC. Em abril de 2016, ela concluiu a graduação. Dias depois de contar à mãe que havia sido aprovada, Ivani perdeu-a repentinamente, vítima de um infarto. “Foi muito duro, mas ela partiu feliz, sabendo que eu tinha me formado.”

Ainda na graduação, um projeto escrito com apoio de professores a aproximou de uma ONG em Campo Grande, o Instituto ID, onde passou a coordenar atividades de geração de renda com costureiras. A experiência mostrou que a costura poderia ser mais do que sustento individual: podia ser um caminho para a coletividade e a transformação social.

Foi também nesse período que Ivani participou de uma disciplina de Empreendedorismo, fruto de uma parceria entre a UFMS e o SEBRAE. O contato com metodologias de inovação e com a lógica de criação de negócios a fez enxergar que poderia transformar sua vivência com a costura em algo maior.

Em 2017, esse sonho se materializou com a República das Arteiras, coletivo que nasceu e cresceu com apoio de programas de incubação. O projeto passou por diferentes formatos até se tornar, na pandemia, um negócio digital de impacto social. “A UFMS abriu caminhos que eu nem imaginava que existiam. O desejo de coletivizar a costura nasceu na academia e ganhou força a partir das pesquisas.”

Paralelamente, Ivani iniciou e concluiu o mestrado em Antropologia Social (UFMS), em 2020, em meio às dificuldades da pandemia. Nos anos seguintes, a República das Arteiras ganhou espaço em programas de aceleração, como o Centelha e o Impact Hub, e esteve presente em grandes eventos de inovação, como o Web Summit.

O reconhecimento veio também em forma de prêmios: a Medalha de Honra ao Mérito de Egressa da UFMS (2024) e o Prêmio Sebrae Mulher de Negócios (2024), que a destacou como empreendedora de tecnologia. Para Ivani, esses marcos não representam apenas conquistas individuais, mas responsabilidade coletiva. “Não são premiações que trazem vaidade, pelo contrário, me sinto ainda mais comprometida com o lugar que ocupo. Venho de um recorte social, econômico e de gênero que raramente tinha espaço na universidade. Estar aqui mostra que é possível.”

Hoje, além de liderar a República das Arteiras, Ivani vê a educação transformando também sua família. A filha concluiu a graduação, o filho cursa Música na UFMS e o marido é um futuro candidato à universidade. “A UFMS me deu um capital muito mais valioso que o financeiro: o capital social e intelectual, que tem aberto portas e me permitido ir além.”

De costureira autônoma a empreendedora social reconhecida nacionalmente, a trajetória de Ivani Marques mostra que a educação transforma, o empreendedorismo pode nascer da coletividade e que a universidade pública é um espaço de oportunidades para todos aqueles que acreditam na sua força como motor de transformação social.